quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Anticlockwise

Antes de começar, já aviso que o texto é longo tanto quanto o filme que o inspirou. Normalmente resumo ao máximo, mas, desta vez, as palavras fizeram um motim, e perdi o controle sobre elas.
O Curioso Caso de Benjamin Button é um filme baseado em um conto escrito por Scott Fitzgerald. O conto tem cerca de 28 páginas, enquanto o filme rendeu quase 3 horas, gerando uma certa polêmica. Uns acharam muito comprido, muito parado e com muitas cenas irrelevantes. Eu, particularmente, só achei comprido. E o fato de ser um filme muito parado, pra mim, não é defeito; ao contrário, muito me agrada. Até porque, é um filme parado e não monótono. Longe disso. Anyway. Outra polêmica ocorreu entre os fãs do conto original, em que o bebê nasce, além de velho, já falando e lendo, o que não ocorre no filme. Mas eu concordo que essa idéia deve ficar somente na nossa imaginação. Dar vida a um bebê com corpo senil já pareceu coisa do capeta; se falasse e lesse enciclopédias, ficaria medonho! Acho que o Fincher e seus roteiristas estão de parabéns pelo ótimo trabalho. Contudo, sendo comprido, ou não, fiel ao conto, ou não, o que ninguém pode discordar é que Brad Pitt e Cate Blanchett estão impecáveis.
Benjamin Button é mais um daqueles tipos de filmes colcha de retalhos: um tema central composto por pequenos episódios que abordam diversos assuntos. Assuntos estes, que normalmente levariam um filme todo, ocupam pequenos instantes ao longo do filme. E cada virada de cena pede uma reflexão. E, obviamente, o tema principal é a tão temível passagem do tempo. Eu mesma confessei por aqui que eu e minha juventude temos medo que nos pelamos desse tal de tempo que passa depressa de mais...
O tempo presente se passa em um hospital, onde Daisy está passando por seus instantes terminais, enquanto a filha, Caroline, lhe lê o diário de um homem muito especial: Benjamin Button. A primeira passagem do filme é logo a minha preferida: um relojoeiro que constrói um relógio para a estação de trem que gira ao contrátrio. A intenção é trazer de volta todos os filhos perdidos na guerra; que estes levantem de seus túmulos e voltem para os braços de seus pais. Só nesses 5 min inicias, dá para dar um nó na garganta (ou como disse a Sara no último comment, "é um tapa na cara"); por menos tempo de vida que tenha a pessoa mais jovem do público, esta com certeza também já deve ter tido o desejo de poder voltar no tempo e recuperar alguém especial, ou reparar um erro grave que fosse.
No dia em que a guerra acabou, nasceu o filho do sr. Button, custando a vida da mãe. O pai prometeu a finada mulher que cuidaria do filho, no entanto, ao vê-lo, levou um susto tão grande que saiu correndo e o abandonou num lar para idosos (olha que coicidência!). Seria uma cena cômica se não fosse trágica. Enquanto todos o enxergam como uma aberração (ou pensam que esse é o rosto do bebê de Rosemary, afinal), a doce cozinheira Queenie o vê como um milagre e o adota. E o chama Benjamin.
Ver a curiosidade e a astúcia de uma criança que não corresponde a um corpo de movimentos rígidos e artrites chega a ser tragicômico. E assim mesmo, Benjamin se adapta àquele ambiente repleto de velhinhos e vai crescendo e "juvenescendo". Ainda na sua infância (ou velhice), ele conhece Daisy, a netinha de uma das inquilinas do asilo. E logo já se separam, pois Benjamin, querendo aproveitar o vigor que lhe nasce a cada manhã, decide viajar de porto em porto com o capitão Mike, que diferente da maioria, não o vê como um anormal e inválido. E ele descobre o amor (com uma mulher casada, é verdade, mas não deixou de ser menos amor). A amizade. Aprende que nunca é tarde para fazer aquilo que se ama, ou simplesmente para recomeçar tudo outra vez, não importando quão velho você esteja ficando, ou, nesse caso, quão jovem. Ao voltar para casa, Benjamin reencontra com Daisy, que agora é uma belíssima bailarina (menção ao grande talento de Cate). Benjamin também reecontra com seu pai e, enfim, descobre que é um Button.
A essa altura, a idéia de nascer velho e caminhar para a mocidade parece ser mais atraente do que nunca: após toda uma vida de trabalho e esforços, ter cabelos cada vez mais vistosos, a pele mais fime parece uma recompensa. Entretanto, tudo lá tem seu preço. Enquanto Benjamin se desfaz da velhice, esta vai alcançando seus entes queridos. E junto com ela, os alcança também a morte, que os leva consigo e não volta mais. Ele percebe que a humanidade é uma rede tecida com a vida das pessoas que se tramam, e que o acaso, quando inventa de aprontar das suas, pode mudar uma vida completamente só porque alguém, do outro lado da cidade, não ouviu o despertador tocar essa manhã. E nem sempre muda pra melhor. E não adianta discutir com o destino; ele ignora nossos xingos. Certas acoisas acontecem quando têm de acontecer e na hora que têm de acontecer.
Nesse meio tempo, Benjamin e Daisy vivem uma história juntos, e tem uma filhinha. Se antes um era muito velho e a outra muito jovem, já agora estão quase alcançando a mesma idade e são perfeitos um para o outro. Muitas das cenas são embaladas com músicas de época, com os trompetes e cornetas característicos. E não sei por que, mas sempre que ouço esse tipo de música, me dá uma saudade...saudade daquela época. O que é puramente rídiculo, já que não se pode sentir saudade de uma época em que não se viveu. De qualquer forma, os dois acabam se desencontrando novamente. As rugas que somem de um rosto, aparecem no outro. Benjamin não suporta a idéia e desaparece no mundo, retornando anos depois, quando já está na sua infância. Uma alma senil em um corpo infantil. Ele desaprende a andar, a falar e sua vida vai esvaindo-se em um corpo de bebê.
Ao sair do cinema, não dá pra deixar de perceber a emoção das pessoas. Mas uma delas, me chamou particular atenção: um senhor, já de idade, que ficou sentado, com uma feição melancólica, até todos saírem da sala. Acredito que a história tenha mexido e revirado muitas lembranças em sua memória; relembrado todos os medos que sentiu, ou ainda sente, todos os seus amores e aventuras até chegar em sua velhice. Ou talvez estivesse apenas tirando um cochilo, não vi direito.
Aí está. O tempo. Por mais que um relógio gire no sentido anti-horário, por mais que nos agarremos na teoria da relatividade de Einstein, que acreditemos piamente que as horas e os minutos são apenas convenções, é impossível fugir de seus efeitos e conseqüências. Não importa se nossos filhos morreram na guerra, ou não; o tempo não tem pena de nós e não volta atrás. Ele é extremamente autoconfiante; segue sempre adiante, remediando as dores. Ele não liga se o momento é triste ou feliz, ele simplesmente passa e o leva embora. Leva embora o colágeno da nossa pele, a rapidez dos nossos neurônios, a cor viva dos nossos cabelos e, muitas vezes, os próprios cabelos. E por que temê-lo tanto afinal? Por que não acompanhá-lo? Se conseguimos acompanhar a tecnologia de celulares e computadores que mudam de 5 em 5 minutos, por que não conseguimos acompanhar o tempo, já que ele é sempre o mesmo e mais velho que Jesus Cristo, e simplesmente aceitar os cabelos brancos? No fim, não importa se nascemos jovens e envelhecemos, ou se nascemos velhos e ficamos mais joves. Os dois caminhos acabam nos entregando a dependência, a um babeiro e às fraldas. E o destino é único: a morte.

Um comentário:

Anônimo disse...

Brilhante Post Vanessa, venho fazer comentario pois li todo seu post "por supuesto", e mais do que isso, vi o filme atentamente. Algumas consideraçoes sobre sua postagem e sobre o filme, para manter a logica inicio do fim. Duca Leindecker ja havia falado "o tempo esta no pensamento", acredito que o filme se estrutura no sentido de mostrar que tanto faz a ordem dos fatores, desde que esses sejam bem aproveitados. Te invejo por ter visto o filme no cinema, seguindo uma tradiçao recomendavel, notando reaçoes, aspectos, podendo fazer uma verdadeira antropologia do pos filme. E concordo com voce a melhor cena do filme e a inicial sem desmerecer as outras, ficou incrivel aquela ideia do relogio ao contrario para que possa trazer as pessoas de volta. Uma curiosidade, normalmente as melhores cenas de um filme se passa com o(a) protagonista. Mas aquela realmente ficou otima. Pra terminar, sobre as quase 3 horas do filme, cito a famosa teoria da relatividade. 3 segundos com a mao numa panela quente, com certeza parecera quase 3 horas, assim como quase 3 horas num show do Fito Paez no Pepsi on stage cercado de pessoas bacanas, com certeza parecera 3 minutos, e ficamos com gosto de quero mais.