sábado, 24 de julho de 2010

Para quem acredita em milagres. E para quem não acredita também.

Um dos pequenos filmes mais bem comentado de vários festivais de cinema do ano passado, El Baño Del Papa, já inicia com uma frase de advertência: "uma história real, que só poderia ter ocorrido por uma baita falta de sorte". É a maior prova que de bem-intencionados o inferno está cheio; ainda que seja o papa...
O Banheiro do Papa é a tragicomédia, muito mais tragi do que qualquer outra coisa, que nos leva a cidade de Melo, no Uruguai, no ano de 1988, com a chegada de João Paulo II. Beto, a nossa personagem central, é um pequeno contrabandista, que parte todos os dias com sua bicicleta e mais alguns companheiros para cruzar as fronteiras e buscar os pedidos dos "clientes", donos das vendinhas. A vinda do papa à cidadezinha causa um rebuliço em todos, que acreditam que irão receber mais de 40 mil brasileiros. Movidos pela fé e pela necessidade de obter algum lucro da situação, a população prepara-se para receber os supostos visitantes vizinhos; decidem, então, fazer o máximo que podem de comida para vender-lhes. Menos Beto. Ora, se todos esses brasileiros comerem aquele mundo de comida, uma hora terão de pô-la para fora e abrir espaço para mais comida. Bem, esta foi a idéia do Beto: construir um banheiro. Adoro essas pequenas hitórias reais, com um toque de ficção, e com um título inusitado! O Banheiro do papa fala mais do um banheiro: fala sobre um fato na história esquecido, ou talvez que nunca tenha sido lembrado, discutindo (e desafiando) fé, capitalismo, esperança, injustiça social. E o melhor: um fato verdadeiro. Aliás, perdoem-me: o pior; melhor mesmo, seria se a história não fosse real. E nem precisou ir muito longe; aconteceu logo ali, na fronteira.
Além dos atores que fazem o Beto, sua esposa e filha, que são profissionais, ainda existem alguns atores "de mentirinha": pessoas comuns que viveram na época do ocorrido. Mas olha, sinceridade, eu nem percebi...eu vi foi nos créditos (sim, eu sou daquelas pessoas que vêem as entrevistas de crédito dos filmes). Além disso, algumas das cenas, que tentam mostrar o drama das personagens de forma direta e crua, beiram um pouco à tosquice, dando um toque de documentário à filmagem. O que para uns era jutamente o toque simples e perfeito, para outros, pareceu amadorismo mal acabado: uma questão de gosto.
Acredito que não preciso dizer que construir o banheiro não foi algo fácil. Beto praticamente vendeu a alma para conseguir dinheiro e se indispôs com sua família. E ainda no último dia, faltava um mero detalhe: o vaso sanitário. Só que o nosso protagonista, ainda que uruguaio, não desiste nunca e vai buscar o vaso com a sua bicicleta no último minuto. E no caminho de volta, ele precisa deixar sua companheira de duas rodas e voltar a pé...sem problemas! O nosso obstinado amigo, com seu rústico otimismo, passa a carregar o vaso nas costas mesmo. E o papa finalmente aparece. Mulher e filha esperam ansiosas: um olho na transmisão papal e o outro no banheiro inacabado. E eu, quase falando com a TV: "corre, Beto, pelo amor de Deus! Leva logo essa maldita patente!" E sim, ele consegue! Viva! A não ser um pequeno engano: dos 40 mil visitantes esperados, vieram uns significativos zeros a menos, não chegando a mil pessoas. E assim como o papa veio, ele foi embora, decepcionando os que tinham fé e revoltando os que não a tinham. Montanhas de comida, pão, lingüiça, pastel, todos intocados. E, ao lado, pessoas com um sorriso de Mona Lisa, sem saber ao certo se riem ou se choram, endividadas até a próxima vida, sem querer acreditar naquilo que não aconteceu. E o banheiro pronto, é claro. Uma das cenas mais tristes que eu já vi na vida, sem exagero. Tanto, que devo ter ficado uma ou duas horas pensando, deitada, sem conseguir dormir e, ao mesmo tempo, sem saber direito o que pensar, lembrando daqueles olhares desolados.
O Banheiro do Papa pode não ser o filme mais encatador do mundo, o que de fato não o é. Mas vale muitíssimo a pena vê-lo e perder alguns instantes de sono com a pequena cidade de Melo: esquecida por Deus e lembrada, muito infelizmente, pelo Vaticano.