quinta-feira, 19 de março de 2009

Um pequeno filme

Enfim, finalmente o ano realmente está começando: janeiro e fevereiro foram só um aquecimento. As águas de março vêm fechando o verão e abrindo mais uma temporada de aulas, muito trabalho, stress e muito stress. Raios de vida moderna! Daqui a pouco já é Natal; parece que a Terra passa a girar mais rápido a partir de março. E como tempo é dinheiro, e eu não tenho nenhum dos dois, as atualizações do blog ficam cada vez mais espaçadas. Portanto, já peço desculpas adiantado.
Para tentar amenizar a velocidade enlouquecida com que a nossa vida passa, damos uma pausa no tempo normal e criamos um momento particular de aconchego e longe de preocupações. Eu costumo entrar na minha bolha e ver um filminho bem descompromissado. E, recentemente, em uma dessas sessões, descobri que o bom da Irlanda não está somente nos pubs: parece que os irlandeses tem uma mãozinha muito habilidosa para a sétima arte também. E se quase 8 meses de blog não são o suficiente para acreditar na minha palavra, sugiro que vejam com seus próprios olhos. Especificamente, recomendo que assistam a "Apenas Uma Vez", de John Carney.
Apenas Um Vez é um musical contemporâneo filmado em Dublin, o que dá uma paisagem melancolicamente bela à história. A maneira como é filmado e o próprio manuseio da câmera geram um efeito de documentário de televisão. As cores em tons pastéis, que se misturam num ameno degradê, contrastando com vermelhos vibrantes, por vezes, dão a impressão de ser uma pintura. Aliada a toda essa exibição visual, está a essência do filme: a música. Contrariando a idéia de que é muito simples se comunicar através da música, eu lhes digo que é muito simples transformar um musical em potencial em um grande dramalhão ou ser simplesmente uma reprodução de algum espetáculo da Broadway. Por isso mesmo tiro o meu chapéu para toda a trilha sonora, na qual estou viciada. Meu vício mais saudável. E o mérito é entregue a Glen Hansard, que além de atuar no filme, compôs a maioria das músicas. Abre parêntese. Os protagonistas, Glen e Markéta Irglová, bem na verdade, não são atores, são músicos. Glen é vocalista da banda The Frames. Fecha parêntese. Outro aspecto bastante comum em filmes que falam sobre músicos é mostrá-los como pessoas perturbadas, incompreendidas e que passam horas conversando com os duendes depois de tomar, fumar, ou seja lá o que for, umas e outras. No entanto, neste filme, são retratadas apenas pessoas comuns, que buscam inspiração em suas próprias vidas.
O roteiro do filme é muito simples: um músico de rua, qua trabalha consertando aspiradores de pó com seu pai e que sofre por ter perdido a mulher que amava, conhece uma imigrante tcheca, pianista, mãe, que o estimula a tomar pequenas atitudes para mudar sua vida e recuperar seu amor. Um japonês, em um grão de arroz, consegue escrever algo mais refinado. Confesso que eu mesma, se não o tivessem me indicado, teria o maior preconceito em locar um romance com um roteiro que cabe em uma linha. Mal eu sabia da profunda sensibilidade que aquela caixinha carregava.
Ele carrengando um violão nas costas e uma experiência traumática de perder a namorada, ela arrastando um aspirador de pó azul pifado caminhando pelas ruas de Dublin, separados por um amor que nunca se concretiza. Não sei nem dizer quais os nomes das personagens. Na verdade, acho que nem nome elas têm. Ambos entram em uma loja de música e improvisam uma composição dele: aí está a cena mais fabulosa, que traduz por completo toda a sensibilidade de que falo. Ela tentando sintonizar-se com os acordes dele. E o jogo de vozes, o violão combinado com o bom piano soam da TV e flutuam até o espectador, abraçando-o e suspendendo-o no ar. Take this sinking boat and point it home. Até mesmo a mais insensível das criaturas que não chorou quando a mãe do Bambi, ou quando o Rei Leão, morreu, se emociona. É uma sensação quase indescritível.
Para encerrar, vou fazer um comentário ordinário: Apenas Uma Vez é um filme para se ver muitas vezes. Além disso, outra palavra vai vir a minha mente quando ouvir falar na Irlanda além de U2: cinema.