terça-feira, 19 de agosto de 2008

E um assunto puxa outro

Só nessa breve introduçao, gostaria de acrescentar mais um comentário em relação ao último post. Deixei de fora a descrição de uma das melhores cenas, na minha opinião, do filme: o olho de Jean-Do sendo costurado. Deixei-a de fora não por esquecimento, mas para cuidar que o leitor não se cansasse com um texto longo e pensasse que os excessos de detalhes fossem para encher murcilha. Enfim. O que faz dessa cena merecer uma citação é, simplesmente, uma mudança do ponto de vista. Literalmente. Se o procedimento fosse filmado pelo ponto de vista do médico, ou de um mero observador, a sensação seria de nojo (se chegar a tanto) para os que têm estômago fraco. Mas por ser vista do olho em questão, a sensação é de completo desespero, no mínimo, se você tiver um pingo de escrúpulo. Já posso tentar descrever como é ter um olho lacrado com uma agulha e uma linha cirurgica. E agora cheguei no ponto em que queria: essa capacidade que o cinema tem de provocar sensações é uma das coisas que mais me fascina. E não é a sensação na qualidade de observador, e sim, na de observado. Encerrando o tema Julian Schnabel, vamos tratar daquele que eu considero outro perito no assunto: Michelangelo Antonioni.
E como fazer com a pessoa que esteja vendo o filme sinta as dores da personagem usando apenas uma câmera e alguns efeitos de cena? Talvez seja mais fácil tirar água de pedra usando uma caneta Bic como faria o Macgyver. Mas Michelangelo Antonioni consegiu. No filme Blow up ("Depois Daquele Beijo"), é um ótimo exemplo. A história baseia-se em discutir o que é e o que não é real, e até que ponto nossa imaginão fértil influi nisso; já que o protagonista, Thomas, não sabe ao certo se testemunhou um assassinato ou não. Durante esse percurso, ele, passa por momentos de tédio, monotonia, um pouco de presunção, alienação, dúvida e muita confusão mental. É praticamente uma overdose de condições emocionais. E como fazer com que percebamos isso sem falar nada? Desligando o som. Genial: no meio de uma avenida, dirigindo um carro, não se ouve sequer o ruído do motor. Quer ver como funciona? Nossa primeira reação é a tentativa inútil de aumentar o volume da TV, pensando que há problemas com o aparelho. Depois de um minuto assim, inconformados com a situação, vem o tédio, a monotonia. Até que a maioria das pessoas tenha dificuldade de prestar atenção na cena. Mais ou menos como Thomas também não parece estar prestando muita atenção no que se passa e se mantém entretido com seus pensamentos. Ou talvez nem pense em nada. Pra que ouvir os carros se eles não dizem nada? Aproveite o tempo a sós com sua mente e faça o mesmo! Mas daqui a pouco o som volta e reconquista nossa concentração, trazendo com ele uma seqüência de cenas, aparentemente, sem nexo e sem sentido nos deixando maluquinhos e confusos. Viu só como funciona?
Mas não se apresse em correr à locadora. Se você for míope e não consegue ler um filme em suas entrelinhas, esqueça. As longas lacunas de puro silêncio, não vão passar de lacunas longas de silêncio puro. Espere Sex And The City sair em DVD.
E pra fechar o festival de grandes impressões, o filme acaba em um belíssimo jogo de tênis sem bola, nem raquete. Entenda: os jogadores são mímicos. Sim; aquelas criaturas irritantes que se vestem de arlequim e vão às ruas limpar o "nada". E a "bolinha" cai para fora da quadra. O nosso querido Thomas poderia passar reto, mas entrou na brincadeira e juntou-a do chão. Ou seja, aí está o resumo da grande questão do filme: o que é e o que não é real depende do que você acredita e do que você alimenta. Isto é, eu poderia ter passado todo o filme adiante e ter assistido só a esta parte e economizado um tempão. O diretor passou o filme todo brincando com os meus sentidos de audição e visão. Me senti , de novo, igual ao Thomas: uma completa idiota. E que sensação maravilhosa! Bravo, Antonioni, bravo!

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